a
Benguela

Um dos utentes que segui era um senhor que se tinha licenciado em Farmácia. Tirou esta licenciatura porque o pai dele o obrigou. O pai dele tinha farmácias e precisava de farmacêuticos. Eram quatro filhos e dois deles eram farmacêuticos.

Quando lhe comecei a dar apoio ele já tinha noventa anos mas estava lúcido e era autónomo. Precisávamos de lhe dar apoio nas refeições, na toma da medicação, pequenas tarefas domésticas e íamos muitas vezes com ele ao centro da cidade para tratar de assuntos no banco, na farmácia ou para irmos a uma mercearia comprar melões. Também gostava da nossa companhia e contava muitas histórias.

Uma das histórias que contava era a de ter sido obrigado a tirar o curso de farmácia (ele queria ser médico). O pai deste senhor queria que o filho ficasse responsável pela farmácia que tinha.  Ele tirou o curso; ao longo da licenciatura conheceu a mulher com quem se veio a casar (em segredo). No fim passou uma procuração ao pai para que este fizesse com a farmácia aquilo que quisesse e partiu com a mulher para Benguela. Aqui viveu cerca de vinte anos; teve três farmácias; nasceram as duas filhas. Estas fizeram uma boa parte dos estudos em Benguela  - a mais velha ainda começou o curso de engenharia em Luanda (veio acabá-lo a Lisboa). A esposa deste utente tinha tirado o curso de professora primária e depois o de farmácia. Em Benguela foi professora e farmacêutica. Construíram aqui a vida deles. Compraram casa e carro. Tinham trabalho! Eu gostava de lhe ouvir algumas das histórias que se passavam por Angola e especificamente por Benguela. Eram histórias da vida dele e do seu trabalho. Só não conseguia concordar com o tom com que ele se referia à população mas nesse ponto os nossos ideais divergiam mesmo.

Com o 25 de Abril de 1974, tiveram que regressar deixando lá tudo. Voltaram com uma mão à frente e outra atrás. A filha mais velha acabou o curso em Portugal e a mais nova fez em Portugal todo o curso. O meu utente acabou por se tornar professor de ciências e a esposa também. O tempo que trabalharam em Benguela acabou por nunca lhes contar para a reforma.

Nota final - o meu utente e sua esposa nunca mais voltaram a Benguela; a filha mais velha fez toda a sua carreira de Engenheira em Portugal ; a filha mais nova licenciou-se em Biologia e é professora numa universidade em Benguela.

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