Religiosidade

Nestas minhas andanças pelo apoio domiciliário, a certa altura fui parar a uma casa que pertencia a uma obra religiosa mundialmente conhecida. Era uma casa que ficava numa zona central da cidade. Uma casa só de mulheres, mulheres que se tinham entregue àquela obra religiosa e por isso não casavam.Cada uma delas tinha uma função naquela casa. Uma era a directora - dirigia a casa; outra pertencia à administração - tinha como grande responsabilidade a gestão da cozinha; outras trabalhavam fora de casa - tinham profissões.

A minha função era tratar duma dessas senhoras - estava acamada, comia por sonda nasogástrica, tratávamos da roupa dela, assegurávamos a toma da medicação. 

Aquela era uma casa enorme; tinham comprado sete ou oito apartamentos no primeiro andar de um prédio e tinham feito ligações por dentro. Era uma casa com cozinha e copa; sala de jantar, vários quartos, salas de estar, biblioteca e um oratório.Tinham duas empregadas. Tinham padre algumas vezes por semana; faziam reuniões onde se juntavam para discutir diversos temas. Era uma casa com regras muito apertadas - o meu almoço era ao meio dia e trinta (não era ao meio dia e vinte e cinco nem ao meio dia e trinta e cinco). 

Esta casa exercia em mim um fascínio: o do rigor; ser tudo a horas certas; era tudo controlado; havia um silêncio ensurdecedor naquela casa; havia por vezes o som das rezas das mulheres no oratório; a comida era feita com muita minúcia - era excelente; a roupa era tratada e lavada com todo o rigor. Tudo me fazia lembrar a vida nas casas de pessoas antigas e isso transmitia-me alguma calma. Mas havia um outro lado que eu não conseguia perceber. Primeiro, parecia-me que descuravam um pouco a utente de quem eu ia tratar. Lembro-me de se gerar algum mal estar porque as senhoras da casa não lhe prestavam cuidados durante as horas em que as cuidadoras lá não estavam. Tudo em nome das obrigações para com a tal obra. Bastaria mudar-lhe uma fralda cinco minutos antes de se deitarem e outra cinco minuto depois de se levantarem  e a utente já não ficaria quinze horas seguidas com a mesma fralda. Tanto rigor para umas coisas e para outras não tinham tempo. Na minha perspectiva a religião católica diz-nos para praticarmos o bem ao nosso semelhante.
Outra questão que me impressionou foi o facto de me sondarem sobre o eu ser ou não católica praticante, se eu sou ou  não batizada, se me casei pela igreja e o porquê de eu não ter filhos. Ora eu tenho o direito a ter uma esfera mais privada em que não tenho de justificar a minha religiosidade e o porquê de ter ou não filhos. Além disso, eu enquanto cuidadora deverei ter a capacidade de cuidar de pessoas das diferentes religiões. Temos que ser todos do bem ( o melhor que conseguirmos) independentemente das nossas crenças religiosas.


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