Gata

Uma vez resolvi ter uma utente por conta própria. Era uma senhora que eu conhecia dos tempos em que fiz Mestrado na área da Educação Especial - cegueira e baixa visão. Esta era uma senhora cega e que era professora de Braille na Associação de Cegos e Amblíopes de Portugal. Na época do mestrado fiz uma formação em Braille em que ela foi minha professora. Gostei de a ter como formadora de Braille. Para além do pouco que aprendi de Braille ( por minha culpa e não por culpa dela), foi muito interessante verificar que uma pessoa cega pode ser autónoma. Esta senhora licenciou -se; foi professora toda a vida; tinha orientação e mobilidade e, portanto, deslocava-se a pé e de autocarro pela cidade. Adorava viajar - dizia que gostava de apreciar os cheiros, as comidas e as descrições que lhe faziam dos locais. Uma vez foi com o irmão fazer uma viagem ao Brasil; ficaram no mesmo quarto e o irmão morreu nessa viagem. Teve que ficar no quarto de hotel até que um dos sobrinhos a fosse buscar.

Em casa dela havia um móvel envidraçado com peças trazidas das várias viagens que tinha feito.


Um dia pediu-me para lhe pôr na cama uma colcha que tinha sido fita pela mãe dela. No dia seguinte disse-me: a menina é distraída porque me pôs a colcha ao contrário; venha ver; tá a ver assim é que está no lado certo! Confesso que não consegui distinguir o avesso do direito mas ela pelo tato distinguiu.

Esta utente precisava de apoio, apesar de sempre ter sido autonoma, porque tinha graves problemas cardíacos. Já não tinha resistência para andar  e para se manter em pé durante períodos mais longos. Eu ia a casa dela para a ajudar a tomar banho e ir-lhe às compras e fazer-lhe sopa.

Ela só tinha uma preocupação - o que iria ser da gata dela depois da sua morte. Comprometi-me a arranjar um dono para a gata no caso dela morrer. E arranjei! A gata passou a ter uma nova família: uma senhora com um filho de seis anos. Levou todo o enxoval que tinha na casa da primeira dona e penso que continuou a ser feliz.



Foto de Catarina Romão Afonso Baptista.

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