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A mostrar mensagens de junho, 2017
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Teatro Um dia depois de fazer noite em casa de um utente, fui a casa descansar um pouco. Depois resolvi ir a um hipermercado e encontrei uma amiga que já não via há uns bons anos. Almoçámos juntas e pusemos a conversa em dia. Uma das novidades que lhe dei é que estava a trabalhar em empresas de apoio domiciliário. Passados uns meses telefona-me e pede-me informações sobre estas empresas porque precisava de apoio para o pai durante um fim de semana. Acabou por solicitar os serviços da empresa que lhe indiquei e fui eu passar o fim de semana com o pai dela. Foi um misto de emoções porque eu conheci o senhor desde a minha tenra infância. Vivia numa casa igualzinha á casa onde eu cresci e passei a minha infância e adolescência, na rua onde cresci e ao pé das escolas onde andei. Foi um serviço sem grandes dificuldades; tinha de garantir que o senhor punha o oxigénio várias horas ao dia, que tomaaava as refeições e a medicação. De resto era deixá-lo andar!  Este utente era ...
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a Benguela Um dos utentes que segui era um senhor que se tinha licenciado em Farmácia. Tirou esta licenciatura porque o pai dele o obrigou. O pai dele tinha farmácias e precisava de farmacêuticos. Eram quatro filhos e dois deles eram farmacêuticos. Quando lhe comecei a dar apoio ele já tinha noventa anos mas estava lúcido e era autónomo. Precisávamos de lhe dar apoio nas refeições, na toma da medicação, pequenas tarefas domésticas e íamos muitas vezes com ele ao centro da cidade para tratar de assuntos no banco, na farmácia ou para irmos a uma mercearia comprar melões. Também gostava da nossa companhia e contava muitas histórias. Uma das histórias que contava era a de ter sido obrigado a tirar o curso de farmácia (ele queria ser médico). O pai deste senhor queria que o filho ficasse responsável pela farmácia que tinha.  Ele tirou o curso; ao longo da licenciatura conheceu a mulher com quem se veio a casar (em segredo). No fim passou uma procuração ao pai para que ...
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Religiosidade Nestas minhas andanças pelo apoio domiciliário, a certa altura fui parar a uma casa que pertencia a uma obra religiosa mundialmente conhecida. Era uma casa que ficava numa zona central da cidade. Uma casa só de mulheres, mulheres que se tinham entregue àquela obra religiosa e por isso não casavam.Cada uma delas tinha uma função naquela casa. Uma era a directora - dirigia a casa; outra pertencia à administração - tinha como grande responsabilidade a gestão da cozinha; outras trabalhavam fora de casa - tinham profissões. A minha função era tratar duma dessas senhoras - estava acamada, comia por sonda nasogástrica, tratávamos da roupa dela, assegurávamos a toma da medicação.  Aquela era uma casa enorme; tinham comprado sete ou oito apartamentos no primeiro andar de um prédio e tinham feito ligações por dentro. Era uma casa com cozinha e copa; sala de jantar, vários quartos, salas de estar, biblioteca e um oratório.Tinham duas empregadas. Tinham padre algu...
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Toma lá dá cá No verão de 2016, fui durante umas semanas a casa de um senhor que tinha tido um AVC; ficou parcialmente dependente. Passou a precisar de ajuda para se levantar, deitar, vestir, tomar banho. O senhor tinha sido polícia e tinha sido também da GNR. Subiu a pulso. Fez a 4ª classe e depois o antigo 5º ano e ao mesmo tempo ia subindo na carreira militar. Tinha exposto na parede da sala todos os diplomas que tinha conseguido ao longo da vida. Era um homem que dizia ser rigoroso na aplicação das regras para os outros e, por consequência, também para ele prório e sua família. As refeições tinham de ser servidas meticulosamente á hora que ele estipulava. Teve três filhos, sendo que um faleceu há uns anos. Todos os filhos tiraram cursos. Um orgulho para este senhor! No entanto este senhor tinha um problema de relacionamento com a sua esposa. Uma senhora que durante toda a vida tratou da casa, serviu as refeições exactamente á hora que o marido exigia, fazia compras, p...
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Autocarro Há uns anos atrás fui fazer noites para casa de um senhor. Era um senhor alto, viúvo há vários anos, tinha 4 filhos. O senhor estava a viver com uma das filhas.  Aqui havia dois pequenos problemas - o próprio senhor que não aceitava muito bem o facto de haver uma mulher que o ajudava a vestir-se e a despir-se e que o ajudava a levantar-se e a deita-se. Mas isso seria uma questão de tempo; o outro problema era a própria da filha. Eu estava ali para fazer noites: entrava ás nove da noite e saia ás nove da manhã. As famílias têm muito por hábito pedir ás empresas que seja só uma cuidadora porque não querem que os familiares vejam muitas caras. Não consigo concordar com esta opinião. Eu tinha que fazer seis noites por semana e uma colega fazia fazia uma por semana. Ora naquela casa, o senhor levantava - se três e quatro vezes por noite. Estava a ter sempre o sono entrecortado. Dormia uma vez por semana em casa; o que corresponde a quatro vezes por mês. Naque...
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Ser Cuidadora Desde Março de 2012 que sou cuidadora formal, ou seja sou remunerada por prestar cuidados a idosos no seu domicílio. Tenho prestado cuidados a pessoas ou que vivem sózinhas ou com algum familiar. Em muitos casos estamos ali para aliviar as famílias, recebendo em troca uma compensação económica.  Durante estes anos, tenho prestado estes serviços maioritariamente através de empresas de apoio domiciliário. Na minha opinião, há algumas vantagens nisso. Uma delas dessas vantagens tem a ver com eventuais faltas que eu tenha que dar, por motivo de doença ou para apoiar algum familiar ou férias, nunca sou eu que tenho que arranjar alternativa. A empresa é que comunica que eu não vou e tem que arranjar quem me substituia.  No entanto, o ser cuidadora e prestar estes serviços para empresas tem também algumas desvantagens: é trabalho muito precário - recibos verdes; ganhamos extremamente mal e, se permitirmos, trabalhamos horas a fio. É raro fazer turnos de me...
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Rezar Ha cerca de um ano atrás fui fazer umas noites a casa de um casal. Ele era um homem alto, tinha jogado basket num clube da cidade, era engenheiro e orgulhava-se de ter construído alguns prédios da cidade. Tinha também grande orgulho no seu filho. Este era psicólogo. No entanto, o filho era só do senhor. A esposa não podia ter filhos e ele queria deixar descendentes neste mundo. Todos os dias o senhor saia logo de manhã para fazer fisioterapia. A senhora era cega e estava acamada. Passava todos os dias na cama e só no seu quarto. Aparecia sempre uma enfermeira de manhã para lhe dar o banho; tinham uma empregada que arrumava a casa, mudava a fralda da senhora e lhe assegurava a alimentação e medicação. À noite vinha sempre uma cuidadora para dormir no mesmo quarto que ela.  Eu fui lá fazer duas ou três noites. A senhora não dava própriamente trabalho - mudança  de fralda quando necessário, dar a ceia e a medicação. Depois apagava-se a luz e tentava-se dor...
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vender ou não vender A utente que vou acompanhando nos últimos tempos é uma pessoa com alguns bens. Morava numa casa numa boa avenida da cidade. Era uma casa grande e com bom recheio. Aquilo que ela mais tinha era armário e cómodas com roupa. Periódicamente, nas mudanças de estação, resolvia despejar os armários e experimentar tudo o que era roupa. Acontece que ela está com cada vez menos mobilidade e tirar roupas, levantá-la vesti-la, voltar a tirar roupa, pôr outra nova....Saturante mesmo.  Entretanto, a utente mudou de casa e uma grande parte dos armários e das roupas foram para uma armazém para uma outra cidade do país (onde a utente tem família). Nesta cidade, a utente tem uma casa que pertencia aos avós dela. Como ela sente que está a chegar ao fim da sua vida, coloca-se-lhe um dilema: vender ou não vender essa casa e todos os armários que estão no tal armazém. Se vender gasta ela o dinheiro mas custa-lhe porque a casa era dos avós dela; se não vender deixa aos so...
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A minha verdadeira casa Uma das utentes onde costumo ir, viveu 30 ou 40 anos numa casa numa avenida da cidade onde morava. É uma avenida boa da cidade e a casa já foi uma boa casa. Neste momento, está deteriorada por falta de manutenção. O que é facto é que todas as memórias do seu casamento se relacionam com esta dita casa. Mas esta senhora ficou viúva e para além disso foi perdendo mobilidade e autonomia. E aquela casa tinha escadas por todo o lado. Antes do portão, logo a seguir ao portão e dentro da própria casa. Para sair e entrar era um tormento para ela e para nós.  Demorávamos horas para sair com esta utente. A certa altura compraram uma cadeira que subia e descia a escada interior da casa, bastando para isso que ela se sentasse.  mas havia sempre as escadas do exterior casa. Além disso, a certa altura, o senhorio ameaçou subir o preço da renda de um preço irrisório para um preço incomportável. A casa já não valia esse preço por mês. Então um familiar re...
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Médico de família Há poucos meses atrás, solicitámos a um centro de saúde um a consulta no domicílio da utente onde costumo ir mais vezes agora. A utente tinha feito análises há pouco tempo e achámos por bem que o médico as fosse ver.  Há hora marcada chegou o médico que se dirigiu ao quarto da utente.Este médico de família é extremamente simpático e afável - muito sorridente. (conversámos inclusivamnete acerca da vitória da canção portuguesa na eurovisão).   O médico estabeleceu conversa com a utente e viu o resultado das análises. Aí abriu um sorriso e disse que não podiam estar melhor.Excelentes resultados! A utente teve um ataque de nervos: acusou-nos (a nós cuidadores) de termos arrancado as folhas em que constavam os maus resultados. O médico disse-lhe que era impossível  - ele estava a ler uma de duas páginas (tinha nas mãos as duas páginas).  E ela gritou-lhe: não teime comigo, sr. doutor, o meu marido que era médico já viu as análises!...
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Médicos A utente, viúva e que gostaria de voltar a casar, de vez em quando marca consultas em médicos de diferentes especialidades. Enquanto as consultas  não estão marcadas ela não descansa. No dia das consultas é raro apetecer-lhe ir. Estamos sempre a marcar e a desmarcar consultas. Muitas vezes já temos uma pontada de vergonha de telefonar para os consultórios médicos. Desde há umas semanas que andava a insistir para marcar consulta no dentista. O dono da empresa para a qual trabalho marcou consulta na dentista a que costuma ir. E  hoje chegou o dia. A consulta era ás 16 horas. A utente acordou ás seis da manhã a pensar na roupa que havia de vestir, levantou se mais cedo do que o habitual, almoçou mais cedo do que o habitual. E ficámos a fazer tempo que a hora chegasse. À hora marcada estávamos á porta do dentista. O dono da empresa veio ter connosco. A utente começou por perguntar é a mesma médica da outra vez? Resposta do dono da empresa : é a mesma médic...
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Cinema A utente, onde tenho ido com mais frequência nos últimos tempos, é uma senhora com parkinson e com cada vez mais mobilidade reduzida. Passa muito tempo ou deitada no quarto ou deitada no sofá da sala. A juntar a isto, é conhecida por ter uma certa dose de mau feitio. Por vezes, satura-se! Quando está farta de tudo, resolve inventar! Um dos hábitos que ela tem é mandar-nos despejar armários de roupa: tirar tudo cá para fora para logo a seguir arrumar tudo outra vez. Há alturas em que se lembra que é giro experimentar a roupa. Como ele já não se aguenta em pé até no Inverno suamos em bica. Uma das coisas que ás vezes consigo fazer com esta utente é fazer sessões de cinema. Algumas vezes satura-se e tentamos ver alguns e não chegamos ao fim de nenhum. Mas há outros dias em que temos verdadeiras sessões de cinema. Em pouco tempo conseguimos ver dois filmes de que gostei e que a utente seguiu bem. Um era sobre descendentes de judeus que lutavam pelos bens que lhes...
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Maridos O marido de uma das utentes onde fui durante uns meses é um homem que é um falso simpático. Felizmente passa grande parte do tempo fora, deixando a esposa só com o papagaio. A senhora tem demência grave; é de baixa estatura e bem gordinha. Mas o marido considera que ela tem que comer três pratos a cada refeição, três peças de fruta e bolos. Quando ele não estava eu reduzia-lhe a comida para metade e mesmo assim ficava empanturrada. Nós íamos a casa deles aos fins de semana. Eram raros os fins de semana em que o senhor estava em casa. Mas de vez em quando tínhamos que nos cruzar com ele. O que a senhora tinha de dócil e engraçada tinha ele de arrogante. Nós estávamos lá para tratar da esposa e não dele. Mas ele considerava que tínhamos que apanhar a roupa que ele atirava para o chão, tínhamos que lhe fazer café de manhã, pôr-lhe o almoço na mesa. Várias conversas foram tidas com o senhor.  Um dia estava eu e a enfermeira a estávamos a levar para o quarto (tín...
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vacina Para convencer a utente que era enfermeira a realizar uma tarefa que seria importante para ela, passeia a usar a estratégia de que o que tínhamos que fazer era para mim. Uma vez tive que ir com ela ao médico de família para ter uma consulta de clínica geral. Convenci-a a sair de casa e a apanharmos um táxi, alegando que eu ia ter uma consulta e que queria que ela viesse comigo por ser enfermeira e que era eu a apanhar a vacina do tétano. Chegámos ao centro de saúde e lá chegou a nossa vez. Entrámos no consultório e eu a dizer-lhe que era eu que ia ser consultada. Falei com o médico, mostrei tudo o que tinha que mostrar acerca da utente. A partir daí, o médico pesou-a, mediu-lhe a tensão, auscultou-a e chamou a enfermeira para a vacinar. E a utente permitiu que lhe fizessem tudo o que era necessário sem dizer um ai.
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Almoço A enfermeira a quem eu tinha que dar banho, e para isso inventar mil e uma coisas para a levar para a casa de banho, tinha demência em estado já muito avançado. Lembrava-se de acontecimentos do passado: lembrava-se que o seu primeiro emprego tinha sido num hospital no Porto, sabia  a morada de cor de uma casa onde tinha morado com o marido e os filhos, contava histórias do tempo em que tinha trabalhado num hospital psiquiátrico, recitava poemas sobre a rainha santa Isabel. Mas depois havia episódios em que baralhava tudo. Íamos muitas vezes com ela ao minipreço fazer compras; quando chegávamos à caixa para pagar ela recusava-se - dizia que as compras não eram para ela. Passámos a ter que inventar que as compras eram para nós e levávamos dinheiro escondido para pagar. Sempre que íamos a médicos com ela, tinhamos que lhe dizer que éramos nós que tínhamos consulta marcada (se não ela não queria ir). Quando havia medicação para ir buscar á farmácia era necessário es...
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choupal Há uma família que a certa altura acompanhei; tinha uma mistura de tragédia e de família unida.  Esta família era composta por um casal, já com os seus oitentas e tal anos e pelo seu neto de vinte e poucos anos. Este casal tinha tido uma filha, esta faleceu de doença grave. O neto ficou à responsabilidade dos avós. Era uma família com dificuldades: o senhor era funcionário dos correios e a senhora fazia bolos em casa e vendia para fora. Conseguiram pagar um curso superior à filha (que se tornou professora) e depois ao neto (que se tornou engenheiro). A senhora, vestida de luto da cabeça aos pés, tinha um orgulho imenso em ter conseguido comprar a casa onde viviam e tinha um orgulho ainda maior por saber que a ia deixar ao neto. Pelo neto fazia tudo - tinha sempre uma enorme preocupação em manter bem passadas a ferro as melhores calças dele. E tinha também uma enor me dor pela perda da única filha. Quando tive contacto com esta família, as minhas funções eram a d...